Por crimes contra o povo do Líbano

Tribunal Internacional de Consciência<br>condena Israel em Bruxelas

Miguel Urbano Rodrigues
Um Tribunal Internacional de Consciência reuniu-se em Bruxelas nos dias 22, 23 e 24 de Fevereiro, sob a presidência da juíza colombiana Professora Doutora Lilia Solano, para apreciar os crimes cometidos pelo Estado de Israel contra o povo do Líbano.
A escritora e jornalista libanesa Leila Ghanem, em nome da organização, abriu o evento com um discurso em que expôs os objectivos da iniciativa e saudou as delegações vindas de países da Ásia, da Europa, da África e da América.
Seguiu-se uma declaração do prof. belga Jean Bricmont e a leitura por John Catalinotto, dos EUA, de um documento do International Action Center, de Ramsey Clark, ex Procurador-Geral da República dos EUA, sobre a cumplicidade do imperialismo norte-americano na agressão ao povo do Líbano.
Os membros do júri, magistrados de prestígio internacional – Lilia Solana (Colômbia), Adolfo Abascal (Cuba-Bélgica), Cláudio Moffa (Itália) e Rajindar Sachar (Índia) – abriram a audiência, com breves declarações sobre as normas processuais que seriam adoptadas pelo Tribunal.
A sentença, que publicaremos num dos próximos dias, condenou o Estado sionista de Israel por crimes contra a humanidade, genocídio e outros punidos pelo direito internacional.
A cadeia de televisão Al Jazeera transmitiu na íntegra para os países de idioma árabe os trabalhos do Tribunal. A chamada grande imprensa europeia ignorou o acontecimento; os jornais belgas também.
Para esse silêncio contribuíram pressões da embaixada dos EUA em Bruxelas e sobretudo da embaixada de Israel que desenvolveu intensa actividade na tentativa de evitar que o Tribunal pudesse reunir-se na capital belga.
O lugar inicialmente previsto para a realização da audiência teve de ser alterado em consequência de manobras de intimidação. Pressões israelitas tornaram também inevitável uma mudança do hotel inicialmente previsto para as delegações estrangeiras.
Membros destacados da comissão organizadora receberam repetidas ameaças pelo telefone.
Foi transparente que elementos da Mossad, a policia politica israelita, estiveram muito activos antes e durante o acontecimento.
Cabe ainda esclarecer que a recusa de vistos impediu a presença de advogados e magistrados que deveriam ter participado no Tribunal.
As tentativas de sabotagem não conseguiram, porém, impedir que o Tribunal cumprisse a sua missão com êxito.

Depoimentos pungentes

O dia 23 foi preenchido por depoimentos das testemunhas, isto é de vítimas da agressão do Estado sionista, e por intervenções de especialistas em armamentos proibidos e questões relacionadas com o ambiente.
Advogados, procedentes também de diferentes países, interrogaram as testemunhas e os peritos.
O tempo reservado para a defesa não foi utilizado. A embaixada de Israel negou-se a qualquer contacto com a organização.
A apresentação de vídeos e de slides sobre as atrocidades israelitas contribuiu para a atmosfera de intensa emoção que envolveu a audiência. Uma onda de quente solidariedade inundou o grande salão da Casa das Associações Internacionais de Bruxelas onde funcionou o Tribunal.
Raramente em acontecimentos similares senti como ali a transformação em solidariedade colectiva dos sentimentos de revolta e dor suscitados pela revelação de crimes tão monstruosos como os cometidos no Líbano pela barbárie neonazi israelita.
E revelação porquê, se os factos são conhecidos?
Vivemos numa época tão desumanizada, sob o bombardeio de um sistema mediático de tamanha perversidade, que mesmo militantes veteranos das lutas anti-imperialistas têm dificuldade em captar todo o horror de crimes como os que atingiram o povo do Líbano.
Ouvir as pessoas que perderam filhos ou pais, algumas toda a família, recordar em depoimentos comoventes as horas trágicas do verão de 2007 – por vezes com a ajuda de imagens – é diferente do acompanhamento pela imprensa e pela televisão do que então ali ocorreu.
Mães cujos filhos nasceram deformados pelos efeitos do urânio empobrecido, camponeses cujos familiares tiverem braços ou pernas serrados por armas monstruosas, ou o fígado ou o pâncreas destruídos por partículas minúsculas de bombas de fragmentação quase desconhecidas, desfilaram pela tribuna como testemunhas e vítimas de acções de barbárie concebidas e executadas pelas forças armadas de um Estado neonazi que se apresenta como democrático e conta com o apoio irrestrito de Washington.
O Tribunal ouviu médicos e autarcas das cidades do Sul do Líbano esventradas pela metralha israelita evocar o cenário de horrores das semanas da agressão. Tomou conhecimento das consequências da maré negra provocada por Israel, o flagelo que cobriu de petróleo mais de 100 quilómetros do litoral de um pequeno país, cuja superfície equivale à do Distrito de Beja. Milhares de pescadores foram lançados na miséria pela destruição por muitos anos da vida animal e vegetal nessas águas agora envenenadas. O turismo nas praias libanesas tornou-se impossível por muito tempo.
Como avaliar o sofrimento dos que entre ruínas ainda fumegantes encontraram os corpos de filhos degolados pela soldadesca israelita? Porque o objectivo da violência irracional não foi apenas destruir aldeias e matar civis desarmados. O Estado sionista, ao semear um terror apocalíptico no Sul do Líbano, pretendia também que as populações abandonassem para sempre as regiões fronteiriças. Não conseguiu!
De 12 de Julho a 24 de Agosto, data do cessar fogo tardiamente imposto pelo Conselho de Segurança, o povo do Líbano foi alvo de uma agressão monstruosa. A heróica resistência dos combatentes da Hezbollah e dos que a seu lado se bateram contra os invasores transformou em derrota militar – a primeira infligida ao Estado sionista – aquilo que Telavive e Washington haviam concedido como prólogo de uma estratégia mais ambiciosa para o Médio Oriente.
Os sofrimentos do povo libanês não são quantificáveis. Os prejuízos materiais devem rondar os 2800 mil milhões de dólares.
A leitura da sentença foi precedida de uma Mesa Redonda na qual intelectuais revolucionários da Europa e da América, entre os quais Georges Labica e John Catalinotto, fizeram a apologia da uma solidariedade internacionalista militante contra a barbárie imperialista e sionista.
Identificado com ambos, recordei uma evidência trágica: o rumo de uma comunidade religiosa perseguida durante séculos, a judaica, alvo do genocídio nazi e que no espaço de décadas se transformou numa metamorfose dramática, passando do papel de vítima ao de agressora, assumindo no Estado de Israel contornos neonazis.
A solidariedade contra os crimes desse Estado monstruoso, instrumento do imperialismo no Médio Oriente, tornou-se dever para a humanidade progressista.


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